Sociologia e Direitos Humanos |
Depois de ter bloqueado na Unesco o Plano de Ação das Nações Unidas para proteção de jornalistas e contra a impunidade nos crimes contra esses profissionais, em companhia de Índia e Paquistão, o Brasil tende a apoiar na Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA) que começa amanhã na Bolívia um plano urdido por Equador e Venezuela para tirar a autonomia da Relatoria de Liberdade de Expressão daquele organismo, afetando grandemente o sistema interamericano de direitos humanos, que, segundo os especialistas, é exemplo invejado por outras regiões do mundo.
Como assinalou corretamente o jornalista Merval Pereira, em boa defesa da liberdade de expressão, tudo indica que a presidente Dilma ficou furiosa com a interferência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a favor dos indígenas — exigindo através de medida cautelar a interrupção da construção da hidrelétrica de Belo Monte — e estaria dando o troco agora, ao lado de Chávez e Corrêa nesta manobra.
A Relatoria Especial foi criada para promover a consciência pelo pleno respeito à liberdade de expressão e informação no Hemisfério, para o fortalecimento do sistema democrático.
Segundo José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, ela agora corre o risco de perder sua independência e funcionalidade com recomendações apresentadas nos últimos meses por países como Equador, Venezuela e Nicarágua, que lideram esse processo, motivados pelos pronunciamentos da CIDH contra agressões aos direitos humanos.
O governo brasileiro apoia o movimento, pois considerou as solicitações da OEA com relação a Belo Monte “precipitadas e injustificáveis”.
A Relatoria Especial de Direitos Humanos é a única do CIDH que faz relatórios separados sobre temas específicos, e os especialistas em direitos humanos afirmam que, com o recurso às medidas cautelares, centenas de vidas foram protegidas de grupos violentos e dos próprios governos.
Vivanco ressalta que, através do sistema de informes sobre países, a Relatoria Especial denunciou abusos cometidos na Venezuela contra a liberdade de expressão, assim como a falta de independência judicial e os graves problemas de violência no país. A Relatoria Especial, segundo o representante da Human Rights Watch, tem apoiado processos a favor da liberdade de expressão em vários países da região; redigido manifestos contra as graves violações a esse direito; assessorado jornalistas e organizações da sociedade civil; lutado ao lado de jornalistas condenados no cumprimento da profissão; e defendido pessoas cujo único delito foi manifestar seu pensamento crítico. Esses mecanismos de atuação autônoma é que alguns países querem abolir para, na definição de Vivanco, “ter um sistema interamericano à imagem e semelhança do que fizeram em seus próprios países”.
Com o apoio desses países, incomodados com a supervisão internacional, o Conselho Permanente da OEA aprovou uma série de “recomendações” à CIDH, a maioria das quais se destina a debilitar o mecanismo de medidas cautelares, a capacidade da comissão de fazer informes especiais de países, como os que já foram feitos sobre Venezuela, Colômbia, Honduras ou Cuba, e principalmente a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão.
Há, por exemplo, a recomendação de que o investimento em todas as relatorias da CIDH seja o mesmo, o que prejudicaria a atuação da Relatoria para a Liberdade de Expressão, que recebe mais do triplo dos recursos de todas as outras devido a financiamento externo, que seria proibido. Além disso, a sugestão de implantação de um código de conduta na prática impedirá a publicação de seus tradicionais comunicados, muitos com críticas às atitudes de países como o Equador e a Venezuela contra a livre expressão. As alterações preveem também que o informe anual da relatoria seja breve e sobre toda a região, e não separado por país. Por enquanto são apenas “recomendações”, e países como Estados Unidos, Chile, Canadá, México e Costa Rica defendem a tese de que a CIDH é autônoma e independente para decidir se as adota ou não. O Equador, no entanto, propôs que se levasse o assunto para a Assembleia Geral da OEA que começa amanhã em Cochabamba, na Bolívia, e apresentou um projeto de resolução segundo o qual a Assembleia assume como suas as recomendações e exige que a CIDH as cumpra. O presidente do Equador, Rafael Correa, considera que a OEA “está totalmente dominada pela influência dos Estados Unidos e serve aos interesses da política exterior desse país”. E classificou de “parcial” a atuação do CIDH, que é presidida pelos Estados Unidos.
Para Correa, “o poder midiático na América Latina supera o poder do Estado, e muitas vezes governos progressistas são perseguidos por este poder”. A Assembleia se reunirá a partir de amanhã para analisar três alternativas: se as recomendações devem ser adotadas de maneira obrigatória, como quer o Equador com o apoio de vários países, inclusive o Brasil; se a própria Assembleia Geral assume a tarefa de reformar as normas que regulam a Comissão de Direitos Humanos, como quer o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza; ou se as reformas da CIDH devem ser estudadas com a participação de vários organismos representativos de diversos setores, a fim de que, com a autonomia que tem, decida se é realmente preciso fazer alguma mudança nos atuais métodos.
Segundo José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, a única chance de salvar o CIDH e sua Relatoria Especial do claro processo de enfraquecimento a que estão sendo submetidos é que o grupo de países que já se manifestou pela autonomia da comissão reitere sua posição contra a proposta do Equador.
Leia também: Pelo Fortalecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por Jacob J. Lumier
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