sábado, 24 de maio de 2008

Sociologia do Romance



Estruturas Econômicas e Forma Romanesca

Por

Jacob (J.) Lumier

EPÍGRAFE

Na sociologia da forma romanesca, para saber como se faz a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias em uma sociedade em que esta ligação tem lugar no exterior da consciência coletiva deve-se observar a ação convergente de quatro fatores diferentes.

A sociologia do romance mais diretamente voltada para a arte e literatura de avant-garde ultrapassa a tentativa tradicional de mostrar que a biografia e a crônica social constitutivas do romance em sua fase mais antiga refletiam mais ou menos a sociedade da época. Admite-se a inovação pela qual passa-se a investigar a relação entre a forma estética romanesca ela mesma e a estrutura do meio social no interior do qual ela se desenvolveu.

A hipótese desenvolvida por Lucien Goldmann a respeito disso enuncia que a forma romanesca é a transposição no plano literário da vida cotidiana na sociedade individualista de produção para o mercado e que existe uma homologia rigorosa entre a forma literária do romance, por um lado, e por outro lado a relação cotidiana dos homens com os bens em geral e com os outros naquela sociedade.(Ver Goldmann, Lucien: Pour une Sociologie du Roman, Paris, Gallimard, 1964, 238 págs.).

O esquema psicossociológico desta situação põe em relevo o advento do valor econômico de troca alterando as formas sociais pré-capitalistas em que a produção era conscientemente regida pelo consumo futuro, pelas qualidades concretas dos objetos, por seu valor de uso. Desta sorte, na medida em que se verifica na sociedade produtora para o mercado, a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias passaram a ter lugar no exterior da consciência coletiva .

Vale dizer, na relação cotidiana dos homens com os bens em geral e com os outros em uma sociedade individualista de produção para o mercado observa-se a supressão no plano da consciência dos homens da relação aos valores de uso, a qual no dizer de Lucien Goldmann passa por uma redução ao implícito por efeito da mediação do próprio valor de troca.

Visando pôr em relevo que a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias tem lugar no exterior da consciência coletiva, esse autor faz uma comparação do comportamento econômico dos indivíduos em uma sociedade produtora para o mercado, por um lado, e por outro lado nas outras formas de sociedade anteriores, dizendo-nos que nestas últimas a estrutura mental da mediação não é observável já que a economia é considerada natural. Quando um homem precisava de um vestimento ou ele o produzia ele-mesmo ou o demandava a um indivíduo capaz de produzi-lo, o qual, por sua vez, fosse em virtude de certas regras tradicionais, fosse por razões de autoridade ou de amizade ou ainda, fosse em contrapartida de certas prestações devia ou podia lhe fornecer tal vestimento.

Por contra, nas sociedades de mercado, quando se quer obter um vestimento importa conseguir o dinheiro necessário a sua compra. Por exemplo: o produtor de roupas é indiferente aos valores de uso dos objetos que ele produz. Aos seus olhos estes não passam de um mal necessário para obter aquilo que unicamente lhe interessa: um valor de troca suficiente para assegurar a rentabilidade de sua empresa. Daí se nota a mediação como substitutivo de toda a relação ao aspecto qualitativo dos objetos e dos seres, caracterizando o predomínio da relação aos valores de troca, quantitativos.

Nada obstante, é fato que tal mediação não suprime totalmente os valores de uso da consciência coletiva dos homens, permitindo-se Lucien Goldmann sublinhar que o caráter dos valores da vida econômica comporta um paralelo com o caráter dos valores perquiridos na forma romanesca, a saber: os valores de uso tomam um caráter implícito exatamente como o caráter dos valores autênticos no mundo do romance.

Para acentuar tratar-se de uma homologia rigorosa, Lucien Goldmann toma por um fato principal de sua análise psicossociológica que, como consumidor último oposto no ato mesmo da troca aos produtores, todo o indivíduo na sociedade produtora para o mercado se encontra em certos momentos da jornada em situação de vislumbrar os valores de uso qualitativos que ele não pode alcançar a não ser pela mediação dos valores de troca. Se tivermos em consideração que os criadores no domínio da cultura são os indivíduos que permanecem orientados essencialmente para os valores de uso poderemos alcançar a evidência de que a criação do romance como gênero literário não tem coisa alguma de surpreendente.

A respeito dessa situação são observados dois aspectos seguintes: (a) – se levarmos em conta que a vida econômica no plano consciente e manifesto se compõe de gente orientada exclusivamente para os valores de troca constataremos que os criadores de cultura, como indivíduos ligados à produção, por permanecerem orientados essencialmente para os valores de uso não somente se situam por isso à margem da sociedade, mas se tornam o que na sociologia de Goldmann se chama indivíduos problemáticos; (b) – nada obstante admite-se como ilusão romântica supor uma ruptura total entre a vida interior e a vida social, mesmo a respeito da situação desses indivíduos problemáticos já que, como criadores de cultura, não poderiam eles destacarem-se da degradação que sofre sua atividade criadora na sociedade produtora para o mercado, desde o momento em que essa atividade se manifesta exteriormente nos quadros, nos livros, no ensino, na composição musical, etc. as quais desta maneira passam a desfrutar de um certo prestígio, por via do qual adquirem um preço.

Quer dizer, a criação do romance, sua forma complexa ao extremo é a forma na qual vivem os homens os dias todos ao serem compelidos a buscar toda a qualidade, todo o valor de uso, por um modo inautêntico através da mediação da quantidade, do valor de troca. Complexidade esta acentuada pelo fato de que todo o esforço para se orientar diretamente aos valores de uso não engendra senão os indivíduos também como inautênticos, embora sob um modo diferente, que é o do indivíduo problemático. Para Goldmann essa análise psicossociológica esboçada prova que as duas estruturas – a da forma ou gênero romanesco e a da troca econômica competitiva – mostram-se tão rigorosamente homólogas que é possível falar de uma única e mesma estrutura que se manifestaria em dois planos diferentes.

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