sábado, 20 de junho de 2009

A Reificação da Realidade Social

Em realidade as expectativas ligam-se ao esforço coletivo antes de se ligarem aos papéis sociais [1].


Ao desprezarem esse conhecimento sociológico, os tecnocratas procedem à imposição de esquemas prévios.


Por contra, a intervenção do sociólogo se fazendo a-posteriori, o aproveitamento do histórico das atividades adquire alta relevância. Tanto mais que, no sentido abrangente deste termo, como sintaxe social, são incluídos todos os instrumentos de controle operativo das funções nos mais diversos níveis dos patamares organizados.


O sociólogo se opõe à tecnificação do saber repelindo o caráter prévio, a-priori concebidos, dos esquemas aplicados nas teorias que fixam os papéis sociais.

Portanto, são esquemas elaborados à revelia e à contrapelo da realidade social existente (que a tecnocracia deseja manipular). Daí a "desidentificação" em face da ambiência coletiva que na concepção dos tecnocratas é tornada não só indiferente, mas insignificante. Daí o ensejo para uma situação nociva à vida social e às relações humanas que o sociólogo busca evitar, sanear, ultrapassar.


►Com efeito, Berger e Luckmann [2] nos mostram que os universos simbólicos são passíveis de cristalização segundo processos de “objetivação, sedimentação e acumulação do conhecimento”. Levam a um mundo de produtos teóricos que, todavia, não perde suas raízes no mundo humano, de tal sorte que os universos simbólicos se definem como produtos sociais que têm uma história.


Desse modo, se quisermos entender seu significado temos de entender a história da sua produção, em termos de objetivação, sedimentação e acumulação do conhecimento. A “função nômica” do universo simbólico é que põe cada coisa em seu lugar certo, permitindo ao indivíduo retornar à realidade da vida cotidiana.


A análise dos processos de legitimação por Berger e Luckmann tem em conta que nas objetivações em que as teorias são observadas com a função nômica (cada coisa ao seu lugar) surge a questão de saber até que ponto uma ordem institucional, ou alguma parte dela é apreendida como uma faticidade não-humana, sendo essa a questão da reificação da realidade social.


Trata-se de saber se o homem ainda conserva a noção de que, embora objetivado, o mundo social foi feito pelos homens e, portanto, pode ser refeito por eles. É a reificação como grau extremo do processo de objetivação, extremo esse no qual o mundo objetivado perde a inteligibilidade e se fixa como uma faticidade inerte. Os significados humanos são tidos, então, em opacidade, como produtos da natureza das coisas.


Quer dizer, redescobrindo dentro da análise sociológica a psicologia coletiva (que compreende a subjetividade humana como aspiração aos valores em escala coletiva) chega-se à reificação como uma modalidade da consciência, de tal sorte que mesmo apreendendo o mundo em termos reificados o homem continua a produzi-lo - paradoxalmente, o homem é capaz de produzir uma realidade que o nega.


Em conseqüência, visando a integração em um quadro de referência global, a análise pelos autores nota que a reificação é possível no nível pré-teórico e no nível teórico da consciência: os sistemas teóricos complexos podem ser descritos como reificações, embora presumivelmente tenham suas raízes em reificações pré-teóricas – a reificação existe na consciência do homem da rua e não deve ser limitada às construções dos intelectuais. Tal a dialética interligando a sociologia do conhecimento e a psicologia coletiva.


Repelindo a intromissão das avaliações morais, admite-se que seria um engano considerar a reificação como uma perversão de uma apreensão do mundo social originariamente não reificada: a apreensão original do mundo social é consideravelmente reificada tanto em nível formativo da linguagem quanto da realidade.


Em contrapartida, prosseguem Berger e Luckmann, a apreensão da própria reificação como modalidade da consciência depende de uma desreificação ao menos relativa da consciência, exigência sociológica esta que, como qualidade advinda na subjetividade (aspiração coletiva aos valores), é um acontecimento comparativamente tardio.


Completando seu esquema de análise em intenção da intervenção do sociólogo, os autores mencionados notam que as instituições podem ser apreendidas em termos reificados quando se lhes outorga um status ontológico independente da atividade e da significação humanas. Quer dizer, através da reificação o mundo das instituições parece fundir-se com o mundo da natureza.


Da mesma maneira, os papéis sociais podem ser reificados e tornarem-se alheios ao reconhecimento, de tal sorte que o setor da autoconsciência que foi objetivado num papel é então também apreendido como uma fatalidade inevitável, podendo o indivíduo estranhado negar qualquer responsabilidade no círculo das suas relações (no sentido da identificação idiopática afirmando a consciência do sujeito que identifica Outrem ou Nós consigo próprio).


Quer dizer, a reificação dos papéis estreita a distância subjetiva que o indivíduo pode estabelecer entre si e o papel que desempenha. E os autores completam: a distância implicada em toda a objetivação se mantém, evidentemente, mas a distância atingida pela desidentificação vai se reduzindo até o ponto de desaparecer. A conclusão é de que a análise da reificação serve de corretivo padrão para as tendências reificadoras do pensamento teórico em geral, e do pensamento sociológico em particular.

***

Ler mais em "Direitos Humanos e Sociologia"



[1] Ver as observações de Gurvitch sobre as sociedades arcaicas em: Gurvitch, Georges (1894-1965): “A Vocação Actual da Sociologia –vol.II: antecedentes e perspectivas”, tradução da 3ªedição francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1986, 567 pp. (1ªedição em francês: Paris, PUF, 1957).

[2] Cf. Berger, Peter e Luckmann, Thomas: “A Construção Social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento”, trad. Floriano Fernandes, Rio de janeiro, editora Vozes, 1978, 4ª edição, 247 pp. -1ªedição em Inglês, New York, 1966. Ver as págs. 247 sq.

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