quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sociologia da Vida Moral, Ética, Polêmica sobre o Senado no Brasil, Voto Facultativo

Não se pode reduzir a vida moral nem às práticas e hábitos, nem mesmo mais largamente às condutas regulares previstas ou esperadas.

Em seu artigo sobre os “Problemas de Sociologia da Vida Moral”, apresentado dentre outros escritos seus como contribuição à obra coletiva por ele próprio dirigida, em dois amplos volumes, publicada ainda nos anos cinqüenta [1], Georges Gurvitch relaciona as datas e os títulos das obras dos autores adeptos da ciência dos costumes, já mencionados no capítulo anterior deste ensaio [2], nas quais encontrou as descrições em fatos dos vários gêneros de moralidade.

Muitos destes sociólogos sentiram que não se pode reduzir a vida moral nem às práticas e hábitos nem mesmo mais largamente às condutas regulares previstas ou esperadas.

Comentando a Westermark, Gurvitch remarca que este sociólogo afirma o estudo das opiniões em detrimento dos costumes, definindo a consciência moral como emoções de indignação e aprovação que se encontram na base dos juízos morais, referidos estes, por sua vez, em sua especificidade moral, ao mau, ao vicioso, ao culpado ou ao bom, ao virtuoso, ao merecedor.

O estudo dos fatos morais deve ser alargado para além dos deveres e normas no sentido de incluir as imagens simbólicas ideais.

Já em sua sempre aprofundada análise crítica da obra e pensamento de Durkheim, Gurvitch assinala ao menos quatro gêneros de vida moral: (a) – um gênero de moralidade ao qual chama moralidade imperativa; (b) – um gênero que define como moralidade de aspiração; (c) – outro gênero já observado em Westermark que é a moralidade dos juízos preestabelecidos e, (d) – a moralidade tradicional.

Por sua vez, L.T. Hobhouse consta como um autor positivo para quem o objeto da sociologia da moralidade é constituído por todas as manifestações da consciência moral na vida social, incluindo não só os hábitos e costumes, regras e princípios, mas também crenças e ideais.

Todavia, o seu estudo sociológico da vida moral não mantém a autonomia deixando-se penetrar por uma filosofia sintetizando o evolucionismo e o racionalismo.

Mas não é tudo. Segundo Gurvitch a interessante contribuição de Albert Bayet guarda dois aspectos dignos de nota.

Por um lado, admite um intelectualismo moral prévio ao definir a ciência dos fatos morais como etiologia, acrescentando a precisão de tratar-se do estudo da distinção do Bem e do Mal, tal como se manifesta nos fatos sociais.

Por outro lado, Gurvitch louva o esforço de Bayet no sentido de ampliar a definição do fato moral em duas direções renovadoras seguintes: (a) – contra a redução dos fatos morais a condutas habituais e regulares conformadas aos deveres e normas, afirmando Bayet que, na realidade dos fatos a moralidade admite, encoraja, tolera, aconselha, propõe; (b) – ao considerar que também existem as virtudes sublimes do sage (o circunspecto), do estóico, do santo, do homem prudente, do homem honesto, do cidadão.

Gurvitch concede a palavra a Bayet para esclarecer sobre essas imagens-simbólico-ideais, como dirá posteriormente nosso autor em sua classificação dos diversos gêneros de vida moral. E Bayet completa: “tais virtudes sublimes ninguém pensa em considerá-las todas como indispensáveis”. “Em vez de encará-las como um exercício obrigatório, a sociedade propõe-nas aos seus membros como um cume que nem sempre se logra atingir”. Seu argumento definitivo é, portanto, no sentido de alargar o estudo dos fatos morais para além dos deveres e normas.

***

Quanto à polêmica sobre o Senado, a tese em favor do regime unicameral só terá valor caso promova o voto facultativo sem restrições. As práticas às avessas no Senado, que foram devassadas e discutidas na mídia (os atos não publicados como preceitua a Constituição) não são de espantar se tivermos em conta a história.

Vontade política e tendência para a realização não são propriamente a mesma coisa. Desde o ponto de vista da sociologia, se desejo e vontade são as duas faces da mesma tendência à realização, atuante nas obras de civilização (conhecimento, moral, direito, religião, educação, arte), a vontade política por sua vez tem figura histórica particular.

Como se sabe, examinando as práticas costumeiras e habituais, os sociólogos já a descreveram sob o conceito de mandonismo local, onde o que vale no costume, o que é regra e norma é a vontade do chefe notável em um território ou domínio, seu poder pessoal e não as diretrizes de algum ordenamento institucional ou forma de Estado. Para a vontade política as convenções foram feitas para serem desrespeitadas. Desprezando-as e restando impune é que se mostra o poder.

Isto significa que esta vontade não pode ser deixada ao seu próprio ditame, e se a civilização avançou foi malgrado a vontade política.

Outras afirmações históricas da vontade prevalecem na tendência à realização, tais como a vontade de valor e de verdade e, no âmbito da história da cultura, a vontade de paraíso.

O voto facultativo por sua vez alimenta-se na motivação política, que se faz de ideal e aspiração, essenciais na história da cultura. Neste sentido, constitui um indispensável contrapeso ao mandonismo.

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Leia mais: Desejo e Vontade em Sociologia


[1] Problemas de Sociologia da Vida Moral in Gurvitch, Georges et al: ”Tratado de Sociologia - Vol. 2 , revisão Alberto Ferreira, Iniciativas Editoriais, Porto, 1968, (1ªedição em Francês: PUF, Paris, 1960), capítulo III.

[2] Ver em nosso ensaio o capítulo 3 intitulado “O Problema da Consciência Coletiva na Sociologia da Vida Moral: Notas sobre a análise crítica da sociologia de Émile Durkheim”. Cf. Lumier, Jacob (J.): Cultura e consciência coletiva: Leituras Saint-Simonianas de Teoria Sociológica, e-book pdf 209 págs, Web da OEI, 2008 http://www.oei.es/noticias/spip.php?article1872


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