quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O TRADICIONAL NA MODERNIZAÇÃO: NOTAS PARA A CRÍTICA da CULTURA OBSCURA, do GOTHIC E da ESTÉTICA DARK.



Já vimos que a Crítica da Cultura relaciona a Modernização, a literatura e arte de avant-garde (contemplando nesta última notadamente expressionismo e surrealismo), o romance e o individualismo.

Segundo T.W. Adorno, e não só como ponto de vista aproximadamente freudiano sobre a busca da individuação (objetivação do trauma subjetivo), a crítica social deve ser equiparada ao conhecimento de que a promessa humanista da civilização afirma o humano como incluindo em si juntamente com a contradição da coisificação também a coisificação mesma (Leia mais: "Para Compreender a Crítica da Cultura", link:
http://jl-cogitatio.blogspot.com/2008/03/para-compreender-crtica-da-cultura.html).


Mas não é tudo. Há também a crítica da cultura pela análise do tradicional na modernização desenvolvida por Ernst Bloch nas antípodas de Max Weber. Orientação esta fundada na história do Gótico Tardio na Alemanha e na experiência das revoluções camponesas dos séculos XV e XVI como vinculada à história das heresias cristãs.


À luz desta orientação crítica se coloca em questão igualmente o chamado estilo gothic,
considerado não somente como gosto do obscuro, mas como paixão das trevas, que teria nascido de uma visão fantasmagórica da Idade Média atribuída aos românticos.


Com efeito. Quando se busca uma definição para o que seria gothic ou dark nos dias de hoje, no mundo da indústria cultural, além da referência às manifestações comportamentais e indumentárias de feição tida por não-conformista ou “tribo urbana”, que recebeu essa denominação, admite-se freqüentemente em maneira confusa o seguinte: (a) - ser gothic ou dark relaciona-se mais a uma opção estética do que qualquer outra coisa; (b) – este sentido estético particular apresenta características definidas principalmente no que se refere às temáticas abordadas, mas não constituiria em si nenhuma escola artística
específica, absorvendo influências diversas, unindo em um mesmo caldeirão influências românticas, surrealistas, expressionistas y muchas otras más.


Os simpatizantes do chamado “movimento gothic”, que fez a fama de certos grupos do Rock’n’roll, vendo no romantismo do século XIX uma espécie de "reabilitação" da Idade Média e do seu imaginário, nos dirão que os românticos são os responsáveis pelo surgimento da "gothic novel" ou "romam noir", normalmente ambientados em castelos sombrios e ambientes tenebrosos.


Ultrapassando a noção simples de cultura obscura, reservada para designar unicamente as ambiências com pouca luz e muitas sombras, alguns idealizadores do gothic nos dirão ainda que "a celebração da noite escura" como passando a ser o lugar privilegiado da evocação dionisíaca
[1] se faz no romantismo literário, tomando-se como exemplo a obra de Novalis (Hinos à Noite).

Por essa mistificação do noturno, conduzindo a uma transposição nihilista do dionisíaco, acredita-se que na "urgência pela vida" do romantismo haveria o resgate de fantasiosos e impossíveis "valores noturnos" levando ao pessimismo, à loucura, aos sonhos, às sombras, à decomposição, à queda, à atração pelo abismo (trevas) e morte.


Para os simpatizantes do gothic, portanto, no "dark side" do romantismo se encontrariam praticamente todos os elementos estéticos que dão motivo e estilo aos apreciadores dessa figuração da tradição gótica.


Nada obstante, não se deve menosprezar o caráter contestatório da supersticiosa fantasia Dark projetada pelos simpatizantes do gothic com forte apelo a um público juvenil em renovada rebeldia ante a prosaica vida futura de incertezas constantes do mundo standardizado.


Corrente de índole artística com impacto produtivo na indústria do cinema, a cultura obscura encontrou-se reforçada na esteira do filme Star Wars pelas imagens da adoração iconoclasta de certos efeitos mentais para-normais e pelas menções alusivas a uma entidade/potência do escuro espaço sideral, dita a Força, absolutamente fictícia (dentro da própria ficção), a emanar da inverossímil simbiose com seres incorpóreos viventes, concepção fantasmagórica esta imprópria para aludir a qualquer totemismo artístico.


Aliás, não há horizonte etnológico nessa arte de superstições cabalistas e truques tecnológicos de Stars Wars. A tal Força ubíqua sem mito nem alienação é exaltada por um gnomo alienígena, o poderoso Mestre Yoda que não passa de um Gremlin civilizado.


Tal é a fantasia antiexperimental do filme fantástico que se revelou tão atrativa aos admiradores do déjà vu à maneira equivocada da utopia negativa em Aldous Huxley: um futurismo só em aparência inconformista que torna perpétuo o sistema do presente
[2].


Daí a resistência artística contrária acentuando haver deformações, mito e alienação ao invés de potências das trevas
no expressionismo e na ambiência obscura ou dark do cinema expressionista, cujo autêntico alcance crítico-estético, por sua vez, tem horizonte na existência e pode inspirar o ideal político – quer de trate dos clássicos dos anos vinte como Nosferatu de Murnau, ou do recente Batman-returns, de Tim Burton[3] .

►Inspirada no expressionismo, a Crítica da Cultura põe em questão o irrealismo como a perda do contato da realidade social sob todas as suas formas, tanto mais que sob o seu aspecto discursivo o irrealismo constitui um componente crítico estudado por pensadores sociais desde o século XIX.

Assim, por exemplo, em face da constituição da economia política como disciplina separada da sociologia econômica, e relacionando-a com a dominação das alienações, os sociólogos como Karl Marx já observavam que “os economistas burgueses estão impregnados pelas representações características de um período particular da sociedade em que a produção e as suas relações regem o homem ao invés de serem por ele regidas (o período das sociedades arcaicas), em tal modo que a necessidade de certa objetivação das forças sociais do trabalho lhes parece inteiramente inseparável da necessidade da desfiguração desse mesmo trabalho pela projeção e pela perda de si, opostas ao trabalho vivo”.

O irrealismo desde então era constatado no discurso que “acentua não as manifestações objetivas do trabalho, da produção, mas a sua deformação ilusória que esquece a existência dos operários para reter apenas a personificação do capital, ignorando a enorme força objetiva do trabalho que se exerce na sociedade, e que está na própria origem da oposição dos seus diferentes elementos”.

No século XX, com a concorrência sublimada, o indivíduo domesticado e a predominância do “déjà vu” no mundo da comunicação social, o irrealismo assume proporções mais sutis, e o dispositivo de projetar o futuro como perpetuação do sistema é disseminado a contrapelo da modernização e do próprio futurismo.

Nesse contexto, se o futurismo vem a ser afirmado como o estilo e a fantasia da vida urbano-industrial e do progresso desde as primeiras décadas do século XX não está o mesmo imune às confusões do irrealismo. Quer dizer, é segregada uma ideologia do futurismo que desde meados do século XX encobre com o manto do irrealismo o mundo da comunicação social .

Seja como for, se é paradoxal dizer que o gothic como suposta “atração das trevas” sendo procedente do romantismo constituiria uma opção estética, Ernst Bloch nos mostrará que, penetrando na psicologia coletiva, o Moyen âge inteiro do romantismo se integra na contradição não-contemporânea e não pode ser apreciado senão no âmbito dialético do problema do legado do passado dentro do processus histórico, assinalando o prolongamento do tradicional na modernização [4] .

***




[1] Em seu livro sobre a arte na Grécia clássica, intitulado “O Nascimento da Tragédia”, contrastando-o com Apolo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche considerou Dionísio como símbolo da força vital básica e incontrolada (criação) em face do mundo da Razão, ordem e beleza representado por Apolo. O contraste entre os papeis destas duas divindades do Olimpo deu lugar aos adjetivos apolíneo e dionisíaco.

[2] Star Wars deve ser apreciado em contraste com as antecipações futuristas de Jornada nas Estrelas (Star Trek), onde o futurismo é mais a expressão de um futuro virtual do que projeção do sistema presente para mais além.

[3] Ver nosso artigo Mito e Alienação: Batman, o Expressionismo, e o Gothic. Link:

http://docs.google.com/View?docid=ddm5qvxk_32gfr8xw

[4] Ver nosso artigo “O Gothic, o Romantismo e a Filosofia da Arte: Linhas para uma filosofia expressionista”: link:

http://docs.google.com/View?docid=ddm5qvxk_68dgt8x8

Ver também de nossa autoria “Introdução ao Estudo do Gótico Tardio na Leitura de Ernst Bloch”: link

http://docs.google.com/View?docid=ddm5qvxk_64f2csbt



Artigo elaborado por Jacob (J.) Lumier

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