sexta-feira, 20 de abril de 2007

A Postura do Sociólogo

A Postura do Sociólogo

A postura do sociólogo do conhecimento nada tem a ver com “as ilusões introspectivas” com que os epistemólogos projetam para a sociologia o “problema epistemológico” em psicologia. Embora seja reconhecido que os quadros conceituais operativos da sociologia do conhecimento são passíveis de identificação aos quadros sociais, certos autores parecem avaliar isso negativamente e insistem em desconsiderar que essa identificação em perspectiva procede de uma dimensão mesma do conhecimento e não de alguma pretensa “estruturação ativa por parte do sociólogo”. Aliás, é daí que, contrariando-os, se fala de coeficiente existencial do conhecimento[1] já que a colocação do conhecimento em perspectiva sociológica antes de representar uma dificuldade, favorece as ciências como atividade prática e privilegia a sociologia do conhecimento como pesquisa das variações do saber.

Ao estudar as variações do saber, “o sociólogo do conhecimento não deve colocar nunca o problema da validade e o valor propriamente dito dos signos, símbolos, conceitos, idéias, juízos”, mas deve apenas “constatar o efeito de sua presença, de sua combinação e de seu funcionamento efetivo” – quer dizer, colocar o saber em perspectiva sociológica ou, apenas, analisar a perspectivação sociológica do conhecimento como fato. Os estados mentais intelectuais como as representações e a memória, assim como as opiniões coletivas (sempre vacilantes e incertas, a iludirem as chamadas ‘pesquisas de opinião’) são manifestações da consciência apenas aberta - contrariamente aos atos mentais que são as manifestações mais intensas da consciência aberta [2]. Portanto, é preferencialmente através dos atos mentais que o conhecimento aceita a maior influência dos quadros sociais, variando com mais segurança em função dos mesmos. Quer dizer, os atos mentais se apreendem na implicação mútua entre as “experiências de participar no real” e os juízos assim tornados cognitivos, de que as atitudes são os focos privilegiados.

Sem dúvida, na elaboração da explicação em sociologia, o sociólogo descreve e aplica os diversos procedimentos relativistas e dialéticos de intermediação que ele encontra na própria realidade social descoberta, para fazer ressaltar o acordo ou desacordo do conhecimento em correlações funcionais com os quadros sociais. Essa atitude de descrever correlações exclui qualquer “invencionismo” e não induz a “deformação” alguma, mas pode certamente favorecer a diminuição da importância do coeficiente existencial do conhecimento pela tomada de consciência. Antes de se limitar ao indivíduo e em particular ao sociólogo, a liberdade humana como escolha, decisão ou criação se afirma também nas manifestações coletivas as quais, elas mesmas, estruturam a realidade social descoberta pelo sociólogo – quem, sem dúvida, guarda o segredo desse conhecimento. Segundo GURVITCH [3] , a sociologia é tanto uma ciência de determinismos sociais como da liberdade humana, sendo apoiada na teoria da multiplicidade dos tempos sociais, e a questão da atitude do sociólogo é um problema de experiência dialética implicando a orientação da teoria sociológica para construir suas noções operativas com base nos procedimentos de intermediação, nada tendo a ver com os esquemas tradicionais que opõem de maneira abstrata um “sujeito pesquisador” a um “objeto pesquisado”. Toda a ciência investiga não aquilo que já se sabe, mas o objeto escondido, e a construção dos objetos precisos da experiência e do conhecimento é precedida pela descrição mediante os procedimentos hiperempíricos, cujo segredo é ser uma descrição orientada para a “demolição de todos os conceitos adquiridos”, em vista de impedir a “mumificação” dos mesmos, e compreende as complementaridades, as compensações, as ambigüidades, as ambivalências, as reciprocidades de perspectivas e as polarizações, como procedimentos hiperempíricos ou procedimentos dialéticos de intermediação.

©2007 Jacob (J.) Lumier



[1] O coeficiente existencial do conhecimento inclui os coeficientes humanos (aspectos pragmáticos, políticos e ideológicos) e os coeficientes sociais (variações nas relações entre quadros sociais e conhecimento). Ver Gurvitch, Georges: “Los Marcos Sociales del Conocimiento”, trad. Mário Giacchino, Caracas, Monte Ávila, 1969, 289 pp (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1966).

[2] Ibid, ibidem.

[3] Gurvitch, Georges et al.: “Tratado de Sociologia-vol. 1 tradução Ana Guerra, revisão: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, 2ªedição corrigida (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1957). - ”Tratado de Sociologia-vol. 2 tradução Ma. José Marinho, revisão: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1968, (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1960).







Realismo sociológico e utopismo.


Se a primeira vista a referência à laicização como conceito sociológico pode parecer pouco usual é porque há relutância por parte de pensadores influentes em reconhecer a sociologia de Marx. Neste sentido, pode-se admitir um debate silencioso entre Habermas e Gurvitch sobre o problema da alienação no legado do jovem Marx e Saint-Simon.

De fato, contrariamente a Jürgen HABERMAS que pretende hegelianizar a leitura de Marx[1] não há razão para cobrar a hipoteca do passado sobre a noção de trabalho alienado em MARX; muito menos subordiná-lo à HEGEL. Sem dúvida, há uma aplicação política da dialética das alienações que explica por que MARX estendeu o termo “ideologia” a todas as ciências humanas, às ciências sociais (incluindo a economia política e a história, desde que não sejam penetradas pelo marxismo) e, posteriormente, a todas as obras de civilização. É exatamente a aspiração à libertação total de certos aspectos da alienação que explica isso.

Há ambigüidade do termo “alienação” ocultando a confusão entre o realismo sociológico e o utopismo. Segundo Gurvitch o exame do problema sociológico da ideologia sofre o efeito da aspiração de Marx à libertação total da alienação: “na sociedade futura, o desaparecimento das classes deveria conduzir a uma situação em que todo o conhecimento científico e filosófico seria liberto das suas relações com os quadros sociais: o seu coeficiente social seria eliminado”, configurando uma concepção de “verdade completa, total, absoluta” que se afirma fora de qualquer quadro de referência. Orientação essa que reencontra o “paradoxo da verdade absoluta ocultando-se sob a ideologia da classe proletária” que dela se serve para se constituir a fim de fazer triunfar essa verdade na história transformada em teodicéia. É o utopismo como filosofia da história hegeliana revirando-se contra a análise sociológica.

Em realidade a ligação entre ideologia e alienação não é uma ligação necessária. Devemos ter em conta que este problema se soluciona desde o ponto de vista da ultrapassagem do dualismo das ciências naturais e das ciências humanas, ultrapassagem que não deve ser procurada na absorção das ciências humanas pelas ciências naturais, mas na constatação de que qualquer ciência é uma atividade social prática e, portanto, comporta um coeficiente humano notando que é este o posicionamento e a formulação de Marx nas Teses sobre Feuerbach. A ideologia não passa de um gênero particular do conhecimento: o conhecimento político que se afirma em todas as estruturas e em todos os regimes, mas cuja importância e cujo papel variam. Ao desprezar esta constatação, Habermas não segue a clarividência de LEFEBVRE [2] e, em detrimento da influência reconhecida dos escritos e da ação de SAINT-SIMON e de PROUDHON sobre Marx[3] , coloca-se entre os relutantes à sociologia e favorece a filosofia hegeliana da história como se revirando contra a análise sociológica.

Por contra, é sabido que a dialética desdogmatizadora de MARX se elabora em revolta contra HEGEL e contra a análise hegeliana da realidade social resumida na “Filosofia do Direito”, ainda que seja notada certa condescendência do jovem MARX para com “A Fenomenologia do Espírito”. Sem dúvida, o aproveitamento da sociologia de MARX resta metodologicamente ancorado nessa “revolta” fundante, nessa negação do discursivo, viabilizando o conhecimento em realidade, cuja procedência é tanto mais confirmada quanto patente se mostra o fracasso de HEGEL na sua tentativa de ligar dialética e experiência, ligação fundamental para as Ciências Humanas. Segundo Gurvitch, “a dialética de MARX encontra-se nas antípodas da dialética de HEGEL porque não defende uma tese filosófica pré-concebida, mas propõe-se a fazer sobressair a complexidade e o caráter dramático da realidade social e a relatividade dos diferentes quadros sociais em que decorre a vida econômica. Além disso a dialética de MARX levanta um problema novo que HEGEL não considerou nem poderia ter considerado: o da relação dialética entre método dialético e a realidade social e, sobretudo, a realidade humana, que já é dialética[4].

MARX foi sociólogo no sentido estrito de reconhecer a laicização e a relatividade do arcaico e do histórico porque, ao chegar à descoberta da realidade social por trás do fetichismo da mercadoria, desencadeou o “desencantamento” da Economia Política, evidenciando nas representações desta última o estágio arcaico da consciência alienada. Portanto, a possibilidade de uma reflexão dos temas da sociologia decorre não de uma deslocada aproximação Hegel/Marx, mas, sem dúvida, surge da dialética das alienações desenvolvidas na “Ideologia Alemã” na qual em resumo, (a) - o trabalho é alienado em mercadorias; (b) - o indivíduo é alienado à sua classe; (c) - as relações sociais são alienadas ao dinheiro, etc., alienações estas afirmadas como expressões da revolta contra HEGEL e contra a análise hegeliana da realidade social na qual, por sua vez, equivocadamente, se estabelece a alienação da sociedade e do homem em proveito do Estado.

Quer dizer, o realismo sociológico funda-se na via de uma ligação entre dialética e realidade social, de tal sorte que os temas críticos desconhecidos de HEGEL fazem parte de uma análise sociológica do desocultamento da consciência alienada, a que, igualmente em revolta não mais contra Hegel, porém revolta contra a Economia Política, MARX se refere no “Rascunho da Contribuição à Crítica da Economia Política” (“Grundrisse....”) quando relaciona diretamente com a dominação pelas alienações a própria constituição da Economia Política. De fato, elaborando-a em modo separado da sociologia econômica, “os economistas burgueses estão de tal modo impregnados pelas representações características de um período particular da sociedade, que a necessidade de certa objetivação das forças sociais do trabalho lhes parece inteiramente inseparável da necessidade da desfiguração desse mesmo trabalho pela projeção e pela perda de si, opostas ao trabalho vivo[5] (Grundrisse...p.176; apud Gurvitch Cf. “A Vocação Actual da Sociologia –vol.II, op. Cit. pp.341 sq. ). E MARX prossegue: “eles (os economistas) acentuam, não as manifestações objetivas do trabalho, da produção, mas a sua deformação ilusória, que esquece a existência dos operários, para reter apenas a personificação do capital, ignorando a enorme força objetiva do trabalho que se exerce na sociedade, e que está na própria origem da oposição dos seus diferentes elementos” (ib.).

Desta forma, na medida em que se integra no desocultamento da consciência alienada levando à recuperação da prevalência da sociedade sobre a economia, o realismo sociológico favorece a aproximação da teoria do fetichismo da mercadoria em MARX, por um lado, à análise sociológica e antropológica do mito do maná-mágico em Marcel MAUSS por outro lado, em que pese as especificidades respectivas das diferentes análises. Quer dizer, a vida nas sociedades arcaicas – como vida humana, social, econômica e política – é inteiramente penetrada pelo sobrenatural, seja ele transcendente (Religião) ou imanente (Magia como obra de civilização), cujo conflito e cooperação constituem seu princípio motor, sua tensão motora [6]. E GURVITCH assinala que a insuficiência das análises antropo-sociológicas de ENGELS na “Origem da Propriedade,...” está em haver considerado a economia dos “primitivos” em detrimento dessa realidade de conjunto das forças coletivas nas sociedades arcaicas. Portanto, a aproximação da teoria do fetichismo da mercadoria à análise sociológica do maná-mágico em nada prejudica a especificidade da teoria de MARX, como sendo referida ao objeto da sociedade de acumulação capitalista. Trata-se simplesmente de fazer ver que este fetichismo da mercadoria condicionando a consciência social não é sem paralelo na condição humana e que MARX foi sociólogo no sentido estrito de reconhecer a laicização e a relatividade do arcaico e do histórico porque, ao chegar à descoberta da realidade social por trás do fetichismo da mercadoria, desencadeou o “desencantamento” da Economia Política, evidenciando nas representações desta última o estágio arcaico da consciência alienada e do pensamento a ela subjacente.

Embora, na “Ideologia Alemã”, MARX não chegue a estabelecer suficientemente a “distinção entre objetivação, solidificação, exteriorização em estrutura ou organização, e alienação propriamente dita” (...) a sua descrição do fenômeno do fetichismo da mercadoria torna-se, no dizer de GURVITCH,“mais precisa e com mais sentido sociológico” (ou antropo-sociológico, isto é, com sentido mais próximo da análise sociológica do mito do maná-mágico) “quando mostra a pressão que exercem gradualmente as forças sociais que não conseguimos dirigir”, pressão esta que ameaça transformar-se, segundo as palavras de MARX, numa “força estranha que já não surge como o poder unido dos homens , mas, antes, surge como um elemento situado fora deles próprios, de que eles (os homens) não conhecem nem a origem, nem o objetivo[7]. É “sob o regime capitalista que a objetivação, a independentização e a exteriorização do social, por se transformarem em perda e dissolução na projeção, isto é, a alienação strictu sensu, tomam uma forma particularmente envolvente e ameaçadora”.

©2007 Jacob (J.) Lumier



[1] Ver “Théorie et Pratique-vol.2”, tradução e prefácio: Gérard Raulet, Paris, Payot, 1975, 238pp. /1ªedição em Alemão, 1963. Cf.págs.. 208 a 211.

[2] Ver: ‘Sociologia de Marx’, tradução Carlos Roberto Alves, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 145 pp. (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1966); Ver: "Psicologia das Classes Sociais", in GURVITCH e al.: ‘ Tratado de Sociologia-vol.2’, tradução Almeida Santos, revisão Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1968, pp.505 a 538 (1ªedição em francês: Paris, PUF, 1960 ).

[3] Lembrando que no dizer de ENGELS em seu opúsculo sobre o Socialismo Utópico e o Socialismo Científico (Paris, Ed.Sociales), “quase todas as idéias não estritamente econômicas dos socialistas posteriores estão contidas em geral em SAINT-SIMON”.

[4] Cf. Gurvitch, Georges: A Vocação Actual da Sociologia –vol.II: antecedentes e perspectivas”, tradução da 3ªedição francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1986, 567 pp. (1ªedição em francês: Paris, PUF, 1957). Pág.279.

[5] Cf. Grundrisse...p.176; apud Gurvitch: “A Vocação Actual da Sociologia –vol. II, op. Cit. pp.341 sq.

[6] Veremos neste ensaio que o ponto de vista da Crítica da Cultura limitando a desmitologização ou a desmagização ao âmbito da indústria cultural deve ser aprofundado como mediação para dimensionar o impacto da laicização nas obras de civilização, sobretudo em relação à origem da técnica e da moralidade autônoma (laicização da Magia “Branca” como obra de civilização nas sociedades arcaicas levando à técnica e à moralidade autônoma).

[7] Cf. Marx, Ideologia Alemã: Vol. VI pp.175, 6ªed. Molitor; apud Gurvitch, A Vocação... Vol.II, op.cit, pág.297.



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A Sociologia do Conhecimento, as Ciências Cognitivas e

os Profissionais das Ciências Humanas

É de bom senso que, diante da influência das chamadas “ciências cognitivas”, os praticantes da mirada e da intervenção sociológica, sejam eles estudantes, animadores de atividades sociais e profissionais das Ciências Humanas tenham presente a conclusão de DURKHEIM em face daqueles que, como Gabriel TARDE, houveram desejado dissolver o psiquismo coletivo no psiquismo individual ou interpessoal, já que seriam eles ... materialistas e monistas sem que o soubessem: ignoram a descontinuidade e a contingência que diferenciam as esferas do real e as reduzem a uma só .

Em face das chamadas “ciências cognitivas” que examinam o conhecimento sem tomar em consideração a consciência em seu conjunto, é indubitável que a sociologia do conhecimento dispõe de melhores recursos operativos a partir da percepção de que a realidade social do conjunto comporta uma pluralidade de modos atualizados. Como se sabe, é uma aquisição da teoria sociológica no legado de seu fundador Saint-Simon e de Karl Marx, valorizada por Georges GURVITCH, a verificação de que a realidade é em ato. Quer dizer, a consciência faz parte das forças produtivas em sentido lato e desempenha um papel constitutivo nos próprios quadros sociais, - seja como linguagem, seja pela intervenção do conhecimento, seja ainda como direito espontâneo - tirando-se daí que a construção do objeto na teoria sociológica se faz a partir dos quadros sociais como sendo os modos de ação comum atualizados nas manifestações de sociabilidade (os Nós, as relações com outrem), atualizados nos agrupamentos particulares, nas classes sociais e nas sociedades globais, sendo que os quadros sociais exercem um domínio, um envolvimento sobre a produção material e espiritual que se manifesta em seu seio, o que se prova mediante as correlações funcionais. Dessa forma, os quadros sociais e a consciência real (a religião, a família, o Estado, o Direito, a moral, a ciência, o espírito - no dizer do jovem Marx) revelam-se em procedimentos dialéticos também como produtos das forças produtivas strictu sensus, e por isso podem permanecer objetivados dando lugar, por sua vez, à dialética dos níveis de realidade social. É claro que na construção de tipologias a teoria sociológica tira dessa dialética complexa dos níveis da realidade social ela própria os procedimentos por complementaridade, compensação, implicação mútua, ambigüidade, ambivalência, reciprocidade de perspectiva e até polarização.

Porém o estudo da estruturação para esclarecer o problema da possibilidade da estrutura implica igualmente a compreensão de que as manifestações de sociabilidade como fenômenos microssociológicos são elementos anestruturais, portanto incapazes por si próprios de formar hierarquias dos patamares de realidade. Ou seja, as formas de sociabilidade embora não unifiquem atualizam no seu seio os degraus objetivados da realidade aos quais Georges GURVITCH chamará “níveis múltiplos”, constatando que entre esses níveis se trata de relações inteiramente variáveis alternando e combinando por um lado graus de cristalização e por outro lado graus de espontaneidade, constituindo assim forças dinâmicas de mudança. Portanto, as hierarquias em que esses níveis múltiplos tomam parte são também hierarquias múltiplas que variam em cada sociedade e em tal ou qual tipo de estrutura - seja estrutura parcial ou global – e nas quais a descontinuidade prevalece. O conceito de estrutura social em sociologia diferencial põe em relevo o fato de o conjunto social por mais complexo que seja preceder, virtualmente ou atualmente, todos os equilíbrios, hierarquias, escalas. O estudo desses níveis múltiplos e dessas hierarquias múltiplas permite avançar na explicação sociológica do que GURVITCH chama pluridimensionalidade da realidade social, suas ordens sobrepostas, e, se as camadas seccionadas podem se afirmar como sendo mais cristalizadas e oferecer um suporte mais sólido à estruturação do que jamais poderão fazê-lo as manifestações de sociabilidade, cabe sublinhar que tais camadas seccionadas nada representam, e não passam de aspectos difusos da matéria social dinâmica, independentes do grau de valor e de realidade, somente limitadas aos graus de dificuldade para acessá-las. Dessa maneira, a teoria sociológica constrói seu objeto na medida em que delimita a realidade social em níveis mais ou menos construídos para estabelecer conceitos ou quadros operativos eficazes em vista de dar contas da pluridimensionalidade da realidade social.

Seja como for é preciso evitar a postura dogmática que se monta em torno do desconhecimento dos problemas da microssociologia, evitando notadamente o desprezo pelo estudo dos Nós como expressão concreta da consciência coletiva, isto é, como focos das interpenetrações das consciências e das condutas, de suas fusões parciais constituindo os fenômenos de participação direta dos indivíduos nas totalidades espontâneas. Segundo GURVITCH, em sociologia os Nós são precisamente compreendidos em um movimento dialético real pela simples razão de que: se interpenetrar ou fusionar parcialmente não quer dizer em absoluto se identificar, mas quer dizer se afirmar de uma só vez irredutíveis e participantes, unidos e múltiplos.

Sabemos que DURKHEIM e seus colaboradores já na primeira metade do século XX tomaram em consideração a existência de memórias coletivas múltiplas acentuando que as consciências individuais se revelam penetradas pelas memórias coletivas (Maurice HALBWACHS). DURKHEIM ele próprio em debate com Gabriel TARDE ao insistir que não se pode desconhecer a descontinuidade e a contingência que diferenciam as esferas do real se posiciona sobre a referência das funções cerebrais na vida da consciência, como que antecipando a preocupação das chamadas ciências cognitivas. Assim em seu estudo sobre Les Représentations Collectives et les Représentations Individuelles, estudo posteriormente inserido na sua obra Philosophie et Sociologie, pressentindo a dialética ao argumentar por analogia sobre a autonomia relativa nas relações entre a consciência coletiva e a consciência individual, DURKHEIM deixa claro sua recusa em reabsorver a consciência coletiva nas consciências individuais nos dizendo que isto equivaleria a reabsorver o pensamento na célula e retirar à vida mental toda a especificidade. Certamente já se sabe hoje em dia que a descontinuidade diferenciando a consciência individual das células do cérebro não é idêntica àquela que diferencia a consciência coletiva da consciência individual. Segundo GURVITCH, e apesar de suas variadas implicações, o psíquico e o biológico ou orgânico pertencem a esferas do real mais ou menos disjuntas, admitindo sobreposição, enquanto que, pelo contrário, a consciência coletiva e a consciência individual são manifestações da mesma realidade estudada como fenômeno psíquico total.

Seja como for, o fato de que a técnica influi em todos os ramos do saber não justifica está claro o abandono da consciência em seu conjunto no estudo do conhecimento como elemento de civilização, nem dá respaldo para que o conhecimento deva ser reduzido às funções cerebrais e tratado como mero fruto das linguagens lógicas e matemáticas. Por mais intuitiva que seja a inteligência artificial no sentido amplo deste termo, não se vê de que modo poderá ela substituir a experiência humana como essencial para o conhecimento e no conhecimento. Tanto mais que, como se sabe, não há comunicação alguma sem o psiquismo coletivo. Os juízos cognitivos pressupõem a apreensão das amplitudes concretas da sociabilidade, inexistentes no ciberespaço. Portanto, em razão desta constatação é de bom senso que, diante da influência das chamadas “ciências cognitivas”, os praticantes da mirada e da intervenção sociológica, sejam eles estudantes, animadores de atividades sociais e profissionais das Ciências Humanas tenham presente a conclusão de DURKHEIM em face daqueles que, como Gabriel TARDE, houveram desejado dissolver o psiquismo coletivo no psiquismo individual ou interpessoal, já que seriam eles ... materialistas e monistas sem que o soubessem: ignoram a descontinuidade e a contingência que diferenciam as esferas do real e as reduzem a uma só .

Cabe portanto acentuar a importância da dialética complexa para a orientação diferencial da sociologia do conhecimento, sobretudo visando instruir em molde propedêutico a atuação dos que, profissionais ou voluntários, na mídia ou não, em suas atividades sociais regulares se relacionam ao aspecto instituinte da vida social como as condutas efervescentes que emergem nos diálogos, debates, reuniões, assembléias, etc. Como é sabido, uma vez que a sociologia faz entrever os conflitos reais entre os aparelhos organizados, as estruturas propriamente ditas e, enfim, a vida espontânea dos grupos, não se pode preservar o conceito de instituição como práxis e coisa e desconhecer a dialética dos atos e das obras, “das maneiras de ser e dos jeitos de se ver” (“controles sociais”), em que o conceito de estrutura se revela o mais dialético: os atos individuais ou coletivos não se deixam reduzir à objetivação nas obras de civilização.

© 2007 Jacob (J.) Lumier

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