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São Paulo, 15/09/2006
Cientista político propõe incentivo ao voto
Cícero Araújo, da USP, defende que punição pelo não comparecimento às urnas deve ser substituída por ações de estímulo à participação
http://www.pnud.org.br/administracao/entrevistas/index.php?id01=2273&lay=apu
As punições impostas aos eleitores que não comparecem às urnas nas eleições devem ser, gradualmente, substituídas por iniciativas que estimulem a população a votar, defende o cientista político e filósofo Cícero Araújo, colaborador do livro Reforma Política no Brasil e debatedor desta semana do Fórum de Debates Interativo sobre a Reforma Política. Para ele, o incentivo seria a melhor maneira de convencer os grupos marginalizados — principalmente os de baixa escolaridade — a participar das eleições.
“Acredito que, gradualmente, medidas positivas de incentivo ao comparecimento eleitoral devem substituir a punição. Digamos, algo como ‘ações afirmativas’ eleitorais dirigidas a esses grupos [marginalizados]”, afirma Araújo. Segundo ele, as ações de estímulo ao voto são importantes porque “esses grupos, por sua própria marginalização, já tendem a considerar que a participação política não faz muita diferença em suas vidas. Com a abstenção, essa percepção difusa apenas acaba reforçando a marginalização, pois a representação política tende a advogar ainda menos as causas dos que não participam”, argumenta.
Pós-doutor
Na entrevista que concedeu à PrimaPagina, por e-mail, o professor ainda fala sobre voto alienado e abstenção como forma de protesto. Confira abaixo os principais os principais trechos.
O sr. é contra ou a favor do voto obrigatório no Brasil?
Cícero Araújo — Circunstancialmente sou a favor, por razões práticas e não de princípio.
Apesar de todo a alarde da opinião pública sobre os parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção, as pesquisas e o histórico das eleições anteriores indicam que muitos deles devem se reeleger. Em seu artigo no livro “Reforma Política no Brasil”, o sr. diz que a "consciência do eleitor, sua espontaneidade, digamos assim, define a qualidade de seu voto". O sr. acha que se o voto não fosse obrigatório as chances de os parlamentares acusados de corrupção se reelegerem seriam menores?
Araújo — Não creio. Para quem está disposto a "vender", o voto facultativo apenas poderá ser uma oportunidade para aumentar seu preço na praça dos corruptores. O que, aliás, só vai ressaltar o problema do dinheiro nas campanhas eleitorais.
Em seu artigo, o sr. afirma que "ao induzir o voto leviano e alienado", a obrigatoriedade "provoca a ampliação das práticas clientelísticas na relação candidato-eleitor". Esses problemas diminuiriam com o voto facultativo? Como?
Araújo — A "ampliação" a que me refiro tem a ver com o oferecimento aos candidatos (através de um subsídio do Estado, via obrigatoriedade) de um contingente de eleitores que, não tendo claro as razões de seu comparecimento forçado às urnas, acabam por torná-lo presa fácil dos compradores de votos. Esse contingente talvez fosse menor no caso do voto facultativo (daí o uso que fiz da palavra "ampliação"), mas não significa que o clientelismo venha a ser eliminado.
O sr. alerta que, com o voto facultativo, os grupos marginalizados da sociedade tendem a participar menos das eleições e, com isso, perderem representação política. Por quê?
Araújo — Esses grupos, por sua própria marginalização, já tendem a considerar que a participação política não faz muita diferença em suas vidas. Com a abstenção, essa percepção difusa apenas acaba reforçando a marginalização, pois a representação política tende a advogar ainda menos as causas dos que não participam.
O sr. afirma que os grupos desfavorecidos, principalmente de baixa escolaridade, tendem a não votar. Seriam necessárias condições sociais específicas para tornar o voto facultativo viável? Que condições seriam essas?
Araújo — Acredito que, gradualmente, medidas positivas de incentivo ao comparecimento eleitoral devem substituir a punição. Digamos, algo como "ações afirmativas" eleitorais dirigidas a esses grupos.
A adoção do voto facultativo poderia aumentar os riscos de fraude nas eleições?
Araújo — Esses riscos não seriam tão maiores do que os já existem com o voto obrigatório. O problema mais grave, como disse antes, vai recair sobre a questão da desigualdade de oportunidades políticas, com o aumento da influência do dinheiro para induzir o caminho das urnas.
Mesmo com o voto obrigatório, a abstenção no Brasil aproxima-se da casa dos 20%. Por que esse número é tão expressivo?
Araújo — As razões principais, penso, não têm a ver com o problema da obrigatoriedade. É uma soma de fatores: insatisfação (protesto) com (contra) o sistema político, dificuldade de enxergar diferenças entre candidatos e partidos, e pura e simples indiferença.
Votos em branco, nulos e abstenções somaram 28,1% nas eleições presidenciais de
Araújo — Creio que com o voto facultativo esses números tendem a diminuir. A abstenção, é claro, pode aumentar. Mas quem for às urnas tenderá a fazê-lo porque tem mais claro qual a sua opção, entre as alternativas apresentadas.
No livro, o sr. destaca como "ponto crucial" o fato de, nas eleições, a quantidade não substituir a qualidade. Qual a conclusão que podemos tirar disso em relação à obrigatoriedade do voto?
Araújo — Quando falo da questão da qualidade, tenho em vista os que argumentam que altos índices de comparecimento sinalizam apoio vigoroso a um regime político. Não acho que esse é um bom argumento para a obrigatoriedade do voto. Os antigos países socialistas exibiam altíssimos índices de comparecimento. E o que acabou se constatando não foi o apoio vigoroso ao regime, mas uma forma sutil de indiferença e alienação. Para o problema da sustentação real de uma democracia representativa, o melhor mesmo é contar com o apoio consciente e espontâneo dos cidadãos, e não com artifícios para produzir altos índices de comparecimento, que aliás acabam ajudando a mascarar a verdadeira situação.
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Notícia/Entrevista reproduzida do website do PNUD por Jacob (J.) Lumier
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